terça-feira, 30 de junho de 2009

O Homem do Creme de Barbear


As pessoas que passavam por ele olhavam, curiosas. Saindo de casa, um homem assobiava, tranqüilo, indo para mais um dia de trabalho. Vestia um terno preto e uma gravata azul marinho. Até aí, nada demais.

Mas aquele homem tinha algo a mais, algo bem diferente. Estava com creme de barbear na cara. Um creme já seco, cobrindo toda a região abaixo do nariz até o começo do pescoço.

As pessoas que viam comentavam entre si: “estava louco?” Outras, apenas olhavam. Algumas chegavam a dar risada, sem se preocupar se ele ouviria ou não. O homem nem ligava. Continuava caminhando tranqüilamente, assobiando e às vezes até cantarolando. Parecia estar de bem com a vida, ao contrário de muitos cidadãos que passavam por ele apressados, tensos e mal humorados.

Chegou a um ponto de ônibus. Deu o sinal quando viu o seu se aproximando. Estava lotado. Espremido, passou pela catraca e foi para o fundo. As pessoas o olhavam com receio, dando o máximo de espaço que podiam para “aquela coisa”. Tinham medo daquilo ser contagioso. E ele, nem aí. Encostou-se na porta traseira, escorando-se nos ferros atrás dele. As pessoas que desciam se contorciam máximo para não encostar nele.

E após alguns minutos, o tal homem do creme desceu. Iria agora para uma estação de metrô. Mais olhares. Mais comentários. Uma senhora passou, fitou-o e se benzeu, apertando o passo em seguida.

Chegou à estação. Passou na catraca. Um segurança o encarou com a testa franzida, mas não foi falar com ele. Um grupo de garotos resolveu soltar piadinhas para o rapaz, comentando em tom alto sobre as melhores marcas de creme de barbear. O homem percebeu as indiretas mas sorriu para eles. Por sorte, quando pôs o pé na plataforma de embarque um metrô já parava. Entrou rapidamente e sentou em um dos bancos de costas para a janela. Para se distrair, pegou o celular e começou a jogar um jogo de carrinhos. As pessoas que o olhavam não entendiam, e perguntavam entre si quem era aquele “doido”. Não teria percebido o creme na cara? Teria se esquecido de tirá-lo? Seria um ser tão distraído a esse ponto?

O homem deu pausa no jogo. Abriu a carteira. Tirou um espelho. Se olhou, sorridente, ajustando com os dedos as partes do rosto onde o creme de barbear estava sumindo. Então, ele sabia do creme, e estava gostando! Ninguém conseguiu entender. O homem estava horrível com aquele creme seco na cara, e estava satisfeito por estar daquele jeito, pouco se importando com os olhares e os comentários, pouco se importando com o que falariam dele. Para ele, já bastava estar de bem consigo mesmo.

Minutos depois, assobiando, o tal homem do creme de barbear desceu do metrô, passou por uma catraca, subiu uma escada e seguiu por uma avenida, sumindo no meio de uma multidão apressada, sem tempo para ver a vida, e muito menos, para verem a si mesmos.

Danilo Moreira
São Paulo, maio de 2006

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FOTO: http://wiki.bemsimples.com/download/attachments/71762628/beleza-creme-de-barbear-em-8-passos-apertura.jpg

11 comentários:

Elo disse...

Ótimo post, ele nos alerta. De certa forma o seu post clama atenção para nós mesmos, para parar um segundo e refletir sobre a vida toda...Adorei.
Acordei um pouco pra vida.


Beijo

Elo

http://www.myownrealiity.blogspot.com/

Estêvão dos Anjos disse...

o conto possui uma aura um anto quanto mágica, mas sua natureza não é alegórica, ele vem para causar estranhamento aos leitores que, acostumado com uma lição, um fechamento, passam a estranhá-lo tal qual o homem é estranhado. existe algo de metalinguistico nele, muito legal.gostei

Pobre esponja disse...

É isso mesmo. Belo conto. Mostra o quão é mais importante aviões que caem que os problemas de nossas casas. Bela metáfora. Remete-me a um trecho de Raul: faça o que tu queres pois é tudo da lei !

abç
Pobre Esponja

Mau mau O terrivel disse...

cara curti muito seu texto,o jeito que você descreve dá pra imaginar a cena parabens cara,vc escreve muito bem

Andrei Vinicius Morais disse...

Momento de reflexão TOTAL o.O!
Parei aqui ahsuahsuahsu
Adorei a maneira dos detalhes no texto ;D
Otimo POST! :D

Unknown disse...

Poxa fiquei esperando por um final surpreendedor...hehehehehe
Mas um belo texto,com muitas metáforas e detalhes que fazem a gente realmente exerga aquilo que lemos.

Beijoos
Dani

Anônimo disse...

Gostei da atualidade da metáfora e do poder de reflexão que ela me proporcionou. Interessante como as pessoas estão tão ocupadas com tudo com os outros e esquecem de si.

Bom post.

Acesse o Blog Menu Mulher, com o melhor do jornalismo social:
http://menumulher.wordpress.com

Vivica disse...

Adorei. O que mais tem é gente olhando para o lençol do vizinho, enquanto esquece de cogitar a hipotese da janela pela qual vê o tal lençol é que está suja.

Beijos

Euzer Lopes disse...

Num primeiro momento, o texto remete à velha máxima do "quer aparecer, pendura uma melancia no pescoço".
Na verdade o homem com creme de barbear na cara queria era mostrar que é mais fácil repararmos nos outros, ou naquilo que está fora de nós, do que em nós mesmos.
Talvez seja por isso que nossos olhos só conseguem nos ver através de algum espelho, porque só ele é capaz de refletir, de fato, quem somos.
Uma metáfora do "olhar para si".

Sobre, ainda, a foto, se você quiser, adicione meu MSN (caixa de comentários) e eu falo pra você sobre ela.
Abraço grande.

Marcelo A. disse...

É engraçado isso... Macaco olha pro rabo do outro, mas esquece o seu próprio!

Não sei qual foi sua intenção com o texto, nem sei se há uma intenção, até porque cada um dá a sua interpretação. Eu, particularmente, admiro essas pessoas. É corajoso, muitas vezes, num mundo cheio de modelos, do que é certo ou politicamente correto, sairmos por aí, com o creme de barbear no rosto. Pior: espalhá-lo mais ainda, mesmo quando nos caçoam ou nos olham de lado...

Fico impressionado o quanto você manda bem!

Abração, velhinho!

www.marcelo-antunes.blogspot.com

Kallynka Fernanda disse...

As vezes podiamos ser como o homem do creme de barbear, fazer o que realmente queremos fazer, sem pensar no que os outros irão dizer.

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